Presente para a senhora
Percorro as listas de presentes possíveis
para o Dia das Mães, e sinto a dificuldade do problema. Tanta coisa! Até parece
que a mamãe, coitada, não tem objeto algum em casa, desprovida de geladeira,
armários, lenços, liquidificador, porta-notas, tigelas de cerâmica, fogão,
secador de cabelo, batas...
Não,
mamãe tem geladeira sim, claro que tem. Não é desse eletrodoméstico fundamental
que saem os refrigerantes, os cremes, as coisas gostosas que ela reservou para
o paladar do filhinho? O filhinho hoje é executivo, mas sempre que vai visitar
mamãe, sabe que ela guardou para ele um sorvete especial na caverna do
congelador. É, mas a geladeira deve ter envelhecido mais depressa que mamãe.
Não tem esses babados modelo 75, sugerido para presente a mães classe A.
-
Filhinho, que exagero!
-
Que nada, mãe, a senhora merece muito mais.
-
Você devia ter deixado seu pai fazer esta despesa.
-
Papai lhe deu um carro novo, não deu? Vi na calçada.
-
Não. O carro eu ganhei do seu irmão Tavinho, que esteve aqui agora mesmo para
me entregar as chaves.
-
E papai, nada?
-
Bom, seu pai me deu... O que foi mesmo que seu pai me deu? Ando com a cabeça
tão distraída. Ah, sim, uma lancha de passeio.
-
Se ele deu a lancha, não ia dar a geladeira.
-
Ora, você sabe que seu pai vai casar com aquela loura de São Paulo, e tem
procurado ser gentil comigo de todas as maneiras, enquanto não chega o
divórcio.
O
filhinho sai de queixo triste. Dera o presente mais insignificante. Ano que vem
terá mais cuidado, consultará mais atentamente o rol de regalos. Dia das Mães
provoca frustrações assim.
Se
pensam que nas classes B e C a coisa é fácil, enganam-se. Pior. Mamãe ganhou
tantos pares de meia que dava para abrir uma casa-olga. Precisava ter recebido
um ou dois pares de sapatos para usar aquele monte de meias, mas filho não sabe
nunca o número do pé de mamãe. A nora, chamada a opinar, vai dizendo, de cabeça
leve: 40. Ou 35. A mãe calça 37. Vai trocar na loja, a loja tem 37 daquele
modelo? Pois sim. O excesso converte-se em carência. Poucas mães conseguem
receber dos filhos o presente exato. A coleção de talcos que mamãe guardou no
armário do banheiro, no armário do quarto e na mala, para dar de presente às
amigas que fazem anos, tem origem no segundo domingo de maio. Mas o talco de
sua predileção, esse ela tem de comprar na drogaria distante.
-
Posso escolher meu presente do Dia das Mães, meu fofinho?
-
Não, mãe. Perde a graça. Este ano, a senhora vai ver. Compro um barato.
-
Barato? Admito que você compre uma lembrancinha barata, mas não diga isso a sua
mãe. É fazer pouco de mim.
-
Ih, mãe, a senhora está por fora mil anos. Não sabe que barato é o melhor que tem,
é um barato!
-
Deixe eu escolher, deixe...
-
Mãe é ruim de escolha. Olha aquele blazer furado que a senhora me deu no Natal!
-
Seu porcaria, tem coragem de dizer que sua mãe lhe deu um blazer furado?
-
Viu? Não sabe nem o que é furado. Aquela cor já era, mãe, já era!
Pelo
visto, todos damos presentes errados: os filhos às mães, as mães aos filhos.
Maridos, namorados, idem. Sábia foi Dona Lucrécia que chamou os cinco filhos e
comunicou-lhes:
-
Não precisam tomar trabalho comigo. Nem fazer despesa. Fico muito grata a vocês
pela intenção. Basta cada um me trazer um pacotinho de paz, ouviram?
-
Onde a gente arranja isso, mãe?
-
Sei lá. O melhor é não procurar muito. Tragam pacotinhos vazios. A paz deve
estar lá dentro.
(Carlos Drummond de Andrade. Poesia e prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1998)
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