A cólera de Zeus
Um
relâmpago rasga o céu e atinge em cheio a casa de Licáon. Destruída pelas
chamas, num instante ela transforma-se num monte de escombros fumegantes. É
assim que, do alto do Olimpo, Zeus, o soberano dos deuses, aquele que lançou o
raio, põe fim aos inúmeros crimes desse malfeitor, adepto dos sacrifícios
humanos. Desse dia em diante, Licáon, metamorfoseado em lobo, ficará vagando e
uivando até morrer.
No
entanto, Zeus soube que os cinquenta filhos de Licáon cometem atos tão
terríveis quanto os do pai. Por isso, vestido como se fosse um pobre vagabundo,
Zeus apresenta-se na casa deles. Apesar de toda a sua maldade, acolhem o deus
disfarçado, pois seguem as regras da hospitalidade. Convidam-no a comer com
eles. Trazem para a mesa uma panela enorme. Zeus cheira a comida, e seu coração
se aperta de horror: entre os miúdos de carneiro e cabrito, reconhece pedaços
de carne humana. São os restos do infeliz Nictimo, o qual seus irmãos não
hesitaram em assassinar para comer. É demais! Revoltado com esse crime odioso,
Zeus transforma todos os canibais em lobos e devolve a vida a Nictimo.
De
volta ao Olimpo, o rei dos deuses, desgostoso com a espécie humana, resolve
afogá-la sob um dilúvio imenso, que vai engolir o mundo inteiro.
Enquanto
prepara esse cataclismo, os homens, sem nem desconfiar do que os espera,
dedicam-se a suas ocupações terrestres.
Mas
um deles, Deucalião, rei da cidade de Tia, visita seu pai, o titã Prometeu, que
mora nas montanhas do Cáucaso. Prometeu, que ama os seres humanos (a quem
outrora já deu um presente de valor inestimável, o conhecimento do fogo) e sabe
o que Zeus está projetando, avisa seu filho. Assim que volta a sua cidade,
Deucalião começa a derrubar grandes acácias, a serrá-las em tábuas e ajuntá-las
em pranchas. Ao fim de muito trabalho, termina um grande navio, uma arca que
parece ter caído no meio da terra seca. Deucalião e sua mulher, Pirra,
instalam-se no barco e passam a morar ali.
Um
dia, o vento sul começa a soprar com rara violência, acumulando no céu pesadas nuvens
negras que escondem a luz do Sol. Milhares de relâmpagos rasgam as nuvens. No
meio da assustadora e incessante barulhada dos trovões, a chuva começa a cair
brutalmente. Gotas enormes salpicam a poeira dos caminhos e formam uma massa de
água que se espalha sobre a Terra.
A
água sobe tanto que destrói e engole as cidades do litoral e, depois, os
vilarejos das planícies. Quando os céus se acalmam, o mundo inteiro é apenas um
imenso mar. De longe em longe, avista-se o pico do que um dia foi uma montanha e
agora não passa de uma ilhota. Apenas Deucalião e Pirra sobrevivem, flutuando
em sua arca. Durante nove dias, ficam à deriva, na mais completa desolação.
Pouco a pouco, as águas começam a recuar, e a arca chega a uma ilha que, na
verdade, é o alto do monte Parnaso.
Deucalião
e Pirra, hesitantes, pisam a terra, que não esperavam rever. Imediatamente,
agradecem ao grande Zeus havê-los poupado e oferecem-lhe um sacrifício. Depois,
perto de onde a arca encalhou, descobrem um templo cujo telhado está coberto de
algas e conchas. É o santuário de Têmis, deusa da justiça.
Com
toda a humildade, Deucalião e sua companheira suplicam aos deuses que
reconstituam a espécie humana. Zeus emociona-se com o pedido e envia seu
mensageiro, Hermes, para anunciar que concederá o que desejam. Então, surge
Têmis, que ordena:
–
Cubram suas cabeças! Peguem os ossos de sua mãe e joguem-nos para trás!
Muito surpresos, Deucalião e Pirra entreolham-se
e perguntam ao outro:
–
Que a deusa quis dizer?
Afinal,
eles não têm a mesma mãe… E que ossos podem ser esses! De repente, uma ideia os
ilumina: qual é a mãe de todos os homens? A Terra! Seus ossos são as pedras que
a cobrem…
O
casal sai recolhendo todos os pedregulhos que encontra. Depois, cada um cobre
sua cabeça e, por cima dos ombros, joga as pedrinha para trás.
Assim
que elas tocam o chão, transformam-se em seres humanos. As pedras jogadas por
Deucalião viram homens. As lançadas por Pirra, mulheres. E os dois devolvem a
vida à humanidade.
Um
de seus filhos, Heleno, será o pai de todos os gregos, também chamados helenos.
Por isso, a Grécia terá o nome Hélade.
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