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Ser pai - Soneto

Ser pai Ser pai é sustentar filhos e filhas, Pagar colégios, roupas e condução, Tratar também da mãe das maravilhosas, Ter paciência e ter compreensão. É conservar o riso com que brilhas Se um dos meninos pega o teu carrão, Ataca de piloto das mil milhas E estoura o carro numa contramão. É não pensar, em noites de vigílias Se é frequentada a boate onde eles vão, Por meninos “maus” de boas famílias E boas meninas mas “famílias”, não. É, enfim, sentir a vida começar De novo neles, como um resumo Do que fizestes antes de casar. Ou, então, se acaso tomam outro rumo, É ter em casa um Punk a te acusar De “PAI DA SOCIEDADE DE CONSUMO”. Jô Soares

O Peru de Natal - Mário de Andrade

O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, de uma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres. Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto ...