Homero – vida e obra
Por volta do século XV a.C. a Grécia é ocupada pelo aqueus, povo indo-europeu. Com base em uma sociedade altamente estruturada e original, esse povo é responsável pelo surgimento de uma nova cultura que se expande pelo Mediterrâneo oriental. O centro irradiador dessa cultura é Micenas.
Com
a chegada dos jônios é fundada a cidade de Atenas, e a civilização
creto-micênica atinge o apogeu, até que a região é invadida pelos dórios,
também de origem indo-europeia, entre 1200 a.C. e 1100 a.C.
A
chegada desse povo guerreiro ao território grego contribuiu decisivamente para
a decadência da ilha de Creta e o consequente desaparecimento por completo da
antiga civilização micênica. Tem início então uma nova fase no desenvolvimento
histórico das regiões situadas na bacia do mar Egeu.
Os
gregos da Antiguidade chamavam a si próprios de “helenos”, que incluíam todos
aqueles que estavam unidos pela mesma cultura e religião e falavam grego, mesmo
que usassem dialetos diferentes ou não vivessem na Grécia. Em oposição, eram
chamados “bárbaros” os que não falavam grego.
Até
o século VIII a.C. as relações dos helenos entre si e com os bárbaros eram
esporádicas e inexpressivas, embora as influências culturais do Oriente nunca
deixasse de estar presentes. A adoção do alfabeto fenício, adaptado às exigências
da língua grega, constituiu o resultado mais importante desse contato. Remontam
à segunda metade do século VIII a.C. as mais antigas inscrições alfabéticas e,
nessa época, aparecem documentos epigráficos, como listas de magistrados e de
vencedores nos jogos olímpicos, que contribuem, desde então, para um
conhecimento mais parecido do passado.
O
renascimento da técnica de escrita evidencia, antes de tudo, a intensidade do
progresso cultural no Egeu helênico, e sua origem indica a importância do
Oriente nas transformações sociais em curso. A influência oriental estimula o
alargamento do horizonte geográfico e econômico dos gregos, que atinge o ponto
máximo com a vasta colonização efetuada entre meados do século VIII e fins do
VI a.C.
Por
volta de 750 a.C. o surgimento de algumas tendências no desenvolvimento das
comunidades helênicas assinala uma nova fase de sua história. Do ponto de vista
histórico, a época arcaica representa uma fase de intensa transformação em
todos os níveis da sociedade. O termo “arcaico”, que os especialistas empregam
para denomina-la, provém da periodização arqueológica, pois classifica
inicialmente os trações peculiares da escultura, arquitetura, decoração,
cerâmica etc., que aos poucos abandonaram a linha geométrica dominante na produção
artística e prenunciam as formas do clássico. Três fenômenos sintetizam essa
mutação: o movimento de renovação cultural processado sobre a influência do
Oriente; o deslocamento de populações pela implementação de colônias em vasta
área mediterrânea; e o processo que consolidou as estruturas clássicas da
cidade-Estado em algumas regiões mais expostas às correntes do progresso.
Numerosos relatos literários da fundação das colônias referem-se a rivalidades
entre facções, banimentos, privação de direitos cívicos, como episódios que
precederam a emigração. As tensões ocasionadas pela escassez do solo também
figuram nessas histórias, que, apesar de construídas com dados lendários, são
adequadas ao que se conhece do contexto social vigente na fase áurea do
desenvolvimento. De fato, nas cidades da Grécia europeia que encabeçam o
movimento, era muito rígido o domínio dos aristocratas.
O
aumento da população, a produção agrícola insuficiente e a miséria dos
camponeses levem os gregos à procura de novas terras, aventurando-se pelos
mares Egeu, Mediterrâneo e Negro, e fundando colônias costeiras ao longo desses
mares, o que resulta na expansão do comércio marítimo e no desenvolvimento das
cidades-Estados, ou seja, centros de poder que têm em comum a língua, a proximidade
e a cultura.
Dentre
o material literário disponível para o conhecimento desse período, o mais
antigo e rico é constituído pela Ilíada
e pela Odisseia, dois dos maiores
poemas épicos da Grécia antiga e que tiveram profunda influência sobre a literatura
ocidental, que incorporaram episódios pertencentes a um dos ciclos lendários
que os poetas talvez cantassem desde a época micênica. Tradicionalmente
atribui-se a Homero a autoria dessas obras, mas ainda hoje é discutida não só a
questão da autoria dessas epopeias com a data de sua composição. Estima-se que
esteja situada nos marcos cronológicos fornecidos por uma importante expansão
cultural efetivada em ambas as margens do Egeu.
Com
base em referências às condições sociais dessa época encontradas nos poemas de
Homero, o historiador grego Heródoto (século V a.C.) situa o período de vida do
poeta entre os séculos IX e VIII a.C., fixando a provável data de seu
nascimento por volta de 850 a.C. em algum lugar da Jônia, antigo distrito grego
da costa ocidental da Anatólia, que hoje constitui a parte asiática da Turquia.
Entretanto, outras cidades gregas reivindicam a honra de ser o local do
nascimento de Homero: Esmirna, Rodes, Quios, Argos, Ítaca, Pilos e Atenas.
São
poucas as informações concretas sobre a vida de Homero. Não há nem mesmo a
comprovação de que ele tenha de fato existindo. São inúmeras as lendas e
contradições, e todas essas dúvidas geraram a “questão homérica”, que até hoje
não foi inteiramente esclarecida. Uma das fontes que defende se Homero natural
da Esmirna ou de Quios diz que ele era pobre e de origem plebeia, e que
percorrera o mundo conhecido em sua época anotando nomes, datas e
características físicas, enquanto recebia hospedagem em troca de poesias. Ao
retornar a Ítaca, após uma viagem à Espanha, teria contraído uma doença nos
olhos que o teria levado a perder a visão. Supõe-se que fosse cego pela origem
do seu nome em grego (aquele que não vê),
embora existisse, também, em épocas remotas, a noção geral de que os poetas
fossem cegos e que justamente essa falta de visão lhes possibilitava “ver” o
que outras pessoas não viam, ou seja, a deficiência visual os tornava mais
sensíveis à inspiração artística literária.
Consta
ainda das principais fontes a informação de que a morte de Homero teria
ocorrido em uma das ilhas Cíclades. No entanto, as contradições e a escassa
confiabilidade dos dados biográficos levaram alguns estudiosos a questionar sua
existência.
Alguns
sugerem que Homero teria sido simplesmente um compilador, que reuniu vários
poemas anônimos e pequenas canções populares até formar um todo homogêneo.
Outra corrente supõe que “Homero” seja um nome coletivo e que a Ilíada e a Odisseia resultem do trabalho de dois ou mais poetas. Um primeiro
teria concebido e composto um núcleo primordial que foi depois desenvolvido por
outros. Essa questão tem gerado controvérsias, pois há duas opiniões
contraditórias: enquanto alguns veem falta de unidade e variações de linguagem,
estilo, ponto de vista e tema nas duas obras sinal de que não teriam sido
escritas por um só poeta, há quem afirme que existe equilíbrio e homogeneidade
na linguagem, no tom solene dos versos, no retrato dos ideais e valores da sociedade
helênica na visão realista que engloba o fantástico e o real, o histórico e o
imaginário. E há ainda a corrente que nega a existência do poeta, baseada na
ausência de provas arqueológicas de que os gregos soubessem escrever na época
em que Homero teria vivido, e que seria impossível compor poemas tão longos sem
o conhecimento da escrita. Os achados arqueológicos indicam que a escrita foi
introduzida na Grécia a partir de 750 a.C., e o mais antigo documento literário
conhecido data do século IV a.C.
Antes
disso, a literatura era transmitida oralmente, e o povo grego conheceu os
poemas de Homero ouvindo-os recitados em festivais ou lendo cópias manuscritas.
O filósofo e escritor grego Aristarco de Samotrácia (século II a.C.) e outros
filólogos da época Alexandrina encarregaram-se da tarefa de produzir a edição
do texto das epopeias de Homero. Aos manuscritos em pergaminho oriundos desse
trabalho acrescentaram-se anotações de diversos outros helenistas e eruditos
bizantinos, ao longo de pelo menos mil anos.
Os
estudiosos que admitem a existência de Homero e que atribuem a ele a autoria
das epopeias – entre eles, o pensador grego Aristóteles (século IV a.C.) –
situam a composição da Ilíada na
época da juventude do poeta, e a da Odisseia
no final de sua vida, o que explicaria as diferenças de estilo e de
linguagem apontadas por aqueles que negam a autoria comum das duas obras.
Em
dialeto jônico, o que confirmaria a hipótese de origem jônica de Homero, a Odisseia é uma exaltação do povo grego
ao herói mortal Ulisses, conhecido também como Odisseu. A história tem início
quando Menelau, rei de Esparta, e Agamêlon, rei de Atenas, convocam todos os
reis e nobre da Grécia para ajuda-los a montar uma expedição contra Tróia. Diante
da convocação Ulisses finge estar louco. Descoberta a farsa, só lhe resta
partir para a guerra. Após a tomada de Tróia, tem início a viagem de Ulisses,
cheia de peripécias e aventuras, de volta a Ítaca, sua terra natal.
Os
poemas homéricos desfrutaram imensa popularidade na Antiguidade. Cópias desses
poemas transformaram-se em compêndios básicos que as crianças gregas usavam
para aprender a ler e para estudar as lendas e os mitos da Grécia antiga.
Platão (séculos. V-IV a.C.) chega mesmo a referir-se ao poeta como “o educador
da Grécia”. Os gregos formaram seus pontos de vista religiosos a partir dos
retratos dos deuses feitos por Homero em seus poemas. As epopeias também foram
tomadas como padrão ético e estético e constituíram um exemplo incontestado
para todos os poetas épicos gregos ou latinos, além de fornecer personagens e
enredo para os grandes dramaturgos do século V a.C.
Além
dos clássicos Ilíada e Odisseia, atribui-se também a Homero a
autoria de uma coleção de 34 hinos – os Hinos Homéricos -, do poema Margites e da paródia épica Batracomaquia. Entretanto, a ausência
de comprovação também gerou opiniões divergentes quanto à autoria dessas obras.
As
obras de Homero refletem vividamente e antiguidade mais remota da civilização
grega. Desde o século XVI ocupam um lugar preponderante na cultura literária
clássica europeia, e sua originalidade, riqueza e colorido influenciaram
inúmeros poetas e artistas do Ocidente. As situações descritas e narradas por
Homero tornaram-se simbólicas de toda a aventura humana sobre a Terra, e seu nome
chega a confundir-se com a própria poesia.
Comentários
Postar um comentário