À luz de uma janela entreaberta

No início da carreira, Vermeer pintou muitas obras com motivos religiosos e mitológicos. Entre as primeiras, pode=se citar Cristo na Casa de Marta (1654) e, no que diz respeito àquelas de caráter mitológico, destaca-se Diana e suas Ninfas (1655). Mas nenhuma delas alcançou a excelência das obras posteriores. A essas duas obras seguem Vista de Delft (1657-1660) e Rua de Delft (1657-1658), exemplos das raras excursões posteriores do pintor. Com a Alcoviteira (1656), o pintor holandês iniciou uma nova etapa em relação ao gênero. Esta obra deve ser classificada como pertencente às pinturas de bordel, estilo muito apreciado na pintura do gênero holandesa, que surgiram como ilustração da parábola bíblica do filho pródigo. Mostra o contraste com o filho perdido na casa de seu pai. Ainda que esse quadro mantenha certa opacidade colorista, já apresenta detalhes que serão mais tarde característicos, como o tapete em primeiro plano e o realismo dos cristais e porcelanas. Na série de quadros de protagonismo feminino, como Jovem Adormecida (1657), O Copo de Vinho (c.1659) e Soldado com Jovem Sorridente (c.1658), o talento magistral de Vermeer se concretizaria. Em todas essas telas, convergem-se os traços mais relevantes de seu pincel: riqueza cromática, ausência de contrastes marcados, uma única cor que constrói a atmosfera, e joga com espaço divido em vários planos, através de portas e janelas entreabertas que permitem vislumbras diferentes interiores ao mesmo tempo. 

No que se refere à temática, devemos considerar os quadros que fazem referência à música, como O Concerto (c.1665), A Lição de Música (c.1662-1665), ou Moça Tocando o Virginal (c,1673). Também se destacam os quadros alusivos às cartas de amor, Mulher Lendo uma Carta Junto à Janela (1657) ou Mulher Escrevendo uma Carta (c.1665). Alegoria de Música (1666-1673), considerada uma de suas obras-primas, e Alegoria da Fé (c.1671-1674) são as únicas diretamente simbólicas. Todas elas, além de contar com as senhas estilísticas antes mencionadas, outorgam um completo protagonismo às figuras femininas. Isso deve se relacionar com a predileção  de Vermeer por pintar quadros de interiores, quando a casa era considerada o mundo da mulher por excelência. Por último, destacam-se os quadros de O Astrônomo (1668) e O Geógrafo (1668-1669), ambos alusivos ao mundo das ciências e das poucas obras do pintor que contam com personagens masculinos como protagonistas. Ao se levar em conta o número reduzido de quadros que pintou durante a carreira, pode-se dizer que Vermeer só concebeu obras-primas. Séculos depois, os impressionistas veriam na fluida pincelada de Vermeer o futuro do novo naturalismo.  

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