O calcanhar de Aquiles
Ao cair da noite, após um
dia de rudes combates, Agamenon, o rei dos reis, assiste ao regresso de suas
tropas. Os homens ainda capazes amparam os camaradas feridos. Outros trazem de
volta corpos de soldados mortos em Tróia. Fadiga, amargura, tristeza é o que se
lê em todos os rostos. O cerco da cidade já dura anos, e os gregos não fazem
nenhum progresso. A poderosa e altiva cidadela que guarda a bela Helena
continua intacta.
Dia após dia, gregos e troianos enfrentam-se em rudes combates,
nos quais os melhores aqueus acabam morrendo sem ao menos conseguir se
aproximar das muralhas da cidade de Príamo. Ninguém duvida dos motivos desse
fracasso permanente. Se não chegam a tomar Tróia, é porque os impede um dos
filhos de Príamo, o temível Heitor, que tem força sobre-humana e coragem
indomável. Apenas Aquiles seria capaz de derrotar Heitor.
No entanto, o semideus de longos cabelos permanece em sua
tenda desde a chegada a Tróia. Recusa-se a combater porque Agamenon roubou-lhe
Criseida, a escrava que Aquiles ama. Indiferente às derrotas dos gregos, ele
não moverá uma palha antes de essa injustiça ser reparada.
Todas as noites, o céu ilumina-se com as luzes das
fogueiras em que os gregos queimam seus mortos. Nas hostes troianas, reina
tranquila segurança.
Cansado de assistir a esse desastre, Pátroclo, o maior
amigo de Aquiles, vem visitá-lo ao cair da noite. – Aquiles, eu não aguento
mais... – diz ele. – Não suporto ver nossos amigos sofrer e morrer em vão. Se
você não quer mesmo enfrentar os troianos, então me empreste sua armadura e seu
carro de combate. Heitor vai achar que sou você e ficar com medo. Assim, eu
salvo muitas vidas gregas.
Aquiles hesita, mas, por causa das súplicas de Pátroclo,
acaba cedendo.
Ao amanhecer, os gregos preparam-se para o combate, em
meio do barulho das armas que estão sendo lustradas e dos carros aos quais se
atrelam os animais. De repente, um silêncio cai sobre todo o acampamento: pela
primeira vez desde o começo da guerra, os bem armados guerreiros mirmídones chegam
como reforço, precedidos por Pátroclo, que todos tomam por Aquiles. Em toda a
parte, ouve-se um grito de alegria.
Recuperando o entusiasmo e a coragem, os gregos lançam-se
ao assalto de Tróia. Firmes em seus postos diante das muralhas da cidade os troianos
estão certos de que, como todos os dias; vencerão os invasores e conservarão
entre si a deslumbrante Helena.
Mas essa confiança dura pouco. Entre os inimigos já
conhecidos, vislumbram um que não esperavam: Aquiles! Um arrepio de terror
percorre as fileiras troianas. Por um instante, o próprio Heitor tem medo. Mas
recompõe-se rapidamente e, para animar as tropas, enfia-se antes de todos no
meio da batalha, correndo ao carro de combate conduzido por Pátroclo.
Os troianos seguem seu chefe. Em meio de rangidos das
rodas e relinchos dos cavalos, o combate é terrível. As armas não resistem aos choques
e quebram. Nessa peleja confusa, o glorioso Heitor acredita estar enfrentando
Aquiles e reúne todas as forças. Pátroclo, digno do amigo, está a sua altura. O
troiano e o grego enfrentam-se como dois leões selvagens de igual bravura. No
entanto, o deus Apolo, que protege Heitor, chega invisível ao local do combate.
Dá uma rasteira em Pátroclo, fazendo-o perder o equilíbrio. Aproveitando o
momento de fraqueza do adversário, Heitor mata-o.
Os troianos gritam de alegria, pois estão certos de que
ficaram livres do terrível Aquiles. Mas, quando Heitor tira o capacete do
guerreiro, descobrem sua verdadeira identidade. Agora sabem que Aquiles ainda
está vivo e, para vingar o amigo morto, não recuará diante de nada. A alegria
dá lugar à angústia.
Enquanto isso, os gregos levam a Aquiles a triste notícia
e entregam-lhe o corpo de Pátroclo, que conseguiram recuperar, deixando com
Heitor as armas do herói. Transtornado, Aquiles veste-se e dá um grito de dor
tão forte que os troianos, aterrorizados, correm a refugiar-se na cidade.
Aquiles passa a ter um único objetivo: vingar Pátroclo e
matar Heitor. Sua mãe, Tétis, dá-lhe armas novas e brilhantes, forjadas por
Hefesto. Aquiles nem espera que os outros aqueus preparem-se. Pega suas novas
armas e sai em disparada sobre o exército troiano, ferindo de morte todos os
que encontra em seu caminho.
O pânico toma conta dos troianos. Até os guerreiros mais
corajosos jogam fora as armas e fogem. No meio da debandada geral, só Heitor
fica impassível. Compreende que, dessa vez, a sorte de Tróia está em jogo. Nem
se move quando Aquiles, enlouquecido por uma fúria assassina, joga-se sobre
ele. Mas Apolo, voando em socorro de Heitor, envolve-o numa nuvem e leva-o para
longe do grego invencível.
Assombrado, Aquiles procura o inimigo. Finalmente o vê e,
saltando do carro, lança-se contra ele. No olhar feroz de Aquiles, Heitor lê a
morte próxima. Agora aflito, começa a correr em volta da cidade. Passa diante
de uma das portas de Tróia, onde o espera seu irmão Deífobo, que em tom severo
lhe diz:
– Não tem vergonha, Heitor? Seja homem! Você é a única
esperança de Tróia! Vá lutar!
Heitor pára, confuso. Vira-se para enfrentar Aquiles.
Nem desconfia de que, sob a aparência de Deífobo, quem
falou foi Atena a deusa amiga dos gregos.
O terrível Aquiles avança. Heitor nem tem tempo para
esboçar um gesto de defesa. Com um só golpe, Aquiles mata-o.
Chefiados por Aquiles, os gregos infligem sangrentas
derrotas aos troianos. Aquiles parece invencível. É como se nem as flechas nem
as espadas fossem capazes de atingi-lo.
No entanto, o herói tem uma fraqueza secreta, e Apolo a
revela a Páris. Quando Aquiles ainda era bebê, sua mãe mergulhou-o nas águas do
Estige, um rio do inferno. Esse banho tornou-o invulnerável em todas as partes
do corpo, menos no calcanhar por onde Tétis o segurou. Sabendo desse segredo,
Páris estica o arco e, com a mão guiada por Apolo, faz pontaria no calcanhar do
herói aqueu. Atingido por uma flecha envenenada, Aquiles cai e morre. Assim, os
gregos perdem sua melhor oportunidade de tomar Tróia.
Comentários
Postar um comentário