A tempestade (Gonçalves Dias)
Quem porfiar contigo... ousara
Da glória o poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro,
Turbar-se o claro rio?
A. Herculano
Um raio
Fulgura
No
espaço
Esparso,
De luz;
E
trêmulo
E puro
Se
aviva,
S’esquiva
Rutila,
Seduz!
Vem a
aurora
Pressurosa,
Cor de
rosa,
Que se
cora
De
carmim;
A seus
raios
As
estrelas,
Que
eram belas,
Tem
desmaios,
Já por fim.
O sol
desponta
Lá no
horizonte,
Doirando
a fonte,
E o
prado e o monte
E o céu
e o mar;
E um
manto belo
De
vivas cores
Adorna
as flores,
Que
entre verdores
Se vê
brilhar.
Um
ponto aparece,
Que o
dia entristece,
O céu,
onde cresce,
De
negro a tingir;
Oh! vede
a procela
Infrene,
mas bela,
No ar
s’encapela
Já
pronta a rugir!
Não
solta a voz canora
No
bosque o vate alado,
Que um
canto d’inspirado
Tem
sempre a cada aurora;
É mudo
quanto habita
Da
terra n’amplidão.
A coma
então luzente
Se
agita do arvoredo,
E o
vate um canto a medo
Desfere
lentamente,
Sentindo
opresso o peito
De
tanta inspiração.
Fogem
do vento que ruge
As
nuvens aurinevadas,
Como
ovelhas assustadas
Dum
fero lobo cerval;
Estilham-se
como as velas
Que no
alto mar apanha,
Ardendo
na usada sanha,
Subitâneo
vendaval.
Bem
como serpentes que o frio
Em nós
emaranha, — salgadas
As
ondas s’estanham, pesadas
Batendo
no frouxo areal.
Disseras
que viras vagando
Nas
furnas do céu entreabertas
Que
mudas fuzilam, — incertas
Fantasmas
do gênio do mal!
E no
túrgido ocaso se avista
Entre a
cinza que o céu apolvilha,
Um
clarão momentâneo que brilha,
Sem das
nuvens o seio rasgar;
Logo um
raio cintila e mais outro,
Ainda
outro veloz, fascinante,
Qual
centelha que em rápido instante
Se
converte d’incêndios em mar.
Um som
longínquo cavernoso e ouco
Rouqueja,
e n’amplidão do espaço morre;
Eis
outro inda mais perto, inda mais rouco,
Que
alpestres cimos mais veloz percorre.
Troveja,
estoura, atroa; e dentro em pouco
Do
Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre:
Devorador
incêndio alastra os ares,
Enquanto
a noite pesa sobre os mares.
Nos
últimos cimos dos montes erguidos
Já
silva, já ruge do vento o pegão;
Estorcem-se
os leques dos verdes palmares,
Volteiam,
rebramam, doudejam nos ares,
Até que
lascados baqueiam no chão.
Remexe-se
a copa dos troncos altivos,
Transtorna-se,
tolda, baqueia também;
E o
vento, que as rochas abala no cerro,
Os
troncos enlaça nas asas de ferro,
E
atira-os raivoso dos montes além.
Da
nuvem densa, que no espaço ondeia,
Rasga-se
o negro bojo carregado,
E
enquanto a luz do raio o sol roxeia,
Onde
parece à terra estar colado,
Da
chuva, que os sentidos nos enleia,
O forte
peso em turbilhão mudado,
Das
ruínas completa o grande estrago,
Parecendo
mudar a terra em lago.
Inda
ronca o trovão retumbante,
Inda o
raio fuzila no espaço,
E o
corisco num rápido instante
Brilha,
fulge, rutila, e fugiu.
Mas se
à terra desceu, mirra o tronco,
Cega o
triste que iroso ameaça,
E o
penedo, que as nuvens devassa,
Como
tronco sem viço partiu.
Deixando
a palhoça singela,
Humilde
labor da pobreza,
Da
nossa vaidosa grandeza,
Nivela
os fastígios sem dó;
E os
templos e as grimpas soberbas,
Palácio
ou mesquita preclara,
Que a
foice do tempo poupara,
Em
breves momentos é pó.
Cresce
a chuva, os rios crescem,
Pobres
regatos s’empolam,
E nas
turvam ondas rolam
Grossos
troncos a boiar!
O
córrego, qu’inda há pouco
No
torrado leito ardia,
É já
torrente bravia,
Que da
praia arreda o mar.
Mas ai
do desditoso,
Que viu
crescer a enchente
E desce
descuidoso
Ao
vale, quando sente
Crescer
dum lado e d’outro
O mar
da aluvião!
Os
troncos arrancados
Sem
rumo vão boiantes;
E os
tetos arrasados,
Inteiros,
flutuantes,
Dão
antes crua morte,
Que
asilo e proteção!
Porém
no ocidente
S’ergue
de repente
O arco
luzente,
De Deus
o farol;
Sucedem-se
as cores,
Qu’imitam
as flores
Que
sembram primores
Dum
novo arrebol.
Nas
águas pousa;
E a
base viva
De luz
esquiva,
E a
curva altiva
Sublima
ao céu;
Inda
outro arqueia,
Mais
desbotado,
Quase
apagado,
Como
embotado
De
tênue véu.
Tal a
chuva
Transparece,
Quando
desce
E ainda
vê-se
O sol
luzir;
Como a
virgem,
Que
numa hora
Ri-se e
cora,
Depois
chora
E torna
a rir.
A folha
Luzente
Do
orvalho
Nitente
A gota
Retrai:
Vacila,
Palpita;
Mais
grossa
Hesita,
E treme
E cai.
Comentários
Postar um comentário