Campo de Várzea - Garcia de Paiva
O campo ficava perto de um
loteamento, mostrava acentuado desnível e suas traves eram tortas: uma delas — mourão
retirado de um andaime da construção próxima — tinha dois metros e meio de
altura, e a mais baixa, no lado oposto, noventa centímetros. Alguns meninos acompanhavam
o jogo. Os times haviam sido formados ao
acaso, e um deles ficou com dez elementos, o outro com nove. Apenas três jogadores usavam chuteiras, as mesmas
com que trabalhavam de pedreiro na construção, e havia dois descalços. Corriam
atrás da bola com obstinação, defendiam encarniçadamente, num e noutro extremo,
o espaço entre as traves, e atacavam também. Eram homens que se haviam reunido
para correr atrás de uma bola e divertir-se, e somente dois ou três se
conheciam, o jogo transcorria silencioso, mas de vez em quando rebentava um palavrão
ou alguma risada solta nas furadas e nos lances mais acirrados. Os gols começaram
a ser feitos e não houve registro deles. Certo jogador de defesa, um tipo
vermelho que jogava de sapatos, fracassava em suas tentativas de fazer também o
seu gol. Carregava a bola através do campo, defendia-a com unhas e dentes, mas
ela acabava sempre por escapar ao seu controle. Numa ocasião favorável, quando
tinha as traves escancaradas à sua frente, foi aterrado por um mulato descalço,
numa jogada viril, e revidou. Houve um
começo de briga, os outros apartaram, mas o vermelho passou a xingar a mãe do
mulato descalço, que evitava novo confronto.
Garcia de
Paiva. Os agricultores arrancam
paralelepípedos. São Paulo: Ática, 1977.
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