Poema da Auto-estrada - Antonio Gedeão

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.


Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina,
de impaciente nervura.
como guache lustroso,
amarelo de idantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.


Fuge, fuge, Leonoreta:
Vai na brasa, de lambreta.


Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa e bem segura.


Com um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta,
lembra um demónio com asas.


Na confusão dos sentidos
já nem percebe Leonor
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.


Fuge, fuge, Leonoreta
Vai na brasa, de lambreta.

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