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Mostrando postagens de fevereiro, 2010

Circuito Fechado - Ricardo Ramos

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Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo. xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel...

Nomes de Gente

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Tem muito nome de gente Muito significado Prudêncio que é prudente Tito que é honrado Hugo que é previdente Reinaldo que é ousado Tem muito nome de gente Muito significado Tem muito nome de gente Que é nome de bicho Tem jonas que é pombo E raquel que é ovelha E tem leon Que quer dizer leão Com nome de bicho Tem uma porção Ataulfo é nobre-lobo Arnaldo, águia potente Arnulfo é águia e lobo Arlindo, águia e serpente Leandro, homem-leão Leonardo é leão forte Catulo, um pequeno cão Bernardo é urso forte Tem muita gente com nome de flor... Tem mesmo: tem violeta, tem rosa Tem cravo, camélia, dália e jasmim... E tem carmem que quer dizer jardim. Dulce quer dizer que é doce Lia, que é trabalhadora Olga, que é nobre moça Berenice, a vencedora Bárbara é estrangeira Estela, que é estrela No meio de tantas belas É vera que é verdadeira Tem muito nome por causa do tempo Nomes por causa da hora e do mês É sim, tem nome que lembra o momento Lembra o dia...

O homem nu - Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher: — Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum. — Explique isso ao homem — ponderou a mulher. — Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago. Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. ...

O ERÊ - Toni Garrido

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Pra entender o erê Tem que tá moleque Tem que conquistar alguém E a consciência leve Há semanas em que tudo vem Há semanas que é seca pura Há selvagens que são do bem A sequência do filme muda Milhões de anos-luz podem curar O que alguns segundos na vida podem representar O erê, a criança sincera convicção Fazendo a vida com o que o sol nos traz Você sabe o sentimento não trai Para entender o erê Tem que tá moleque Tem que conquistar alguém E a consciência leve Pare e pense no que já se viu Pense e sinta o que já se fez O mundo visto de uma janela Pelos olhos de uma criança. GARRIDO, Toni; DA GAMA; LAZÃO; FARIAS, Bino; VILHENA, Bernardo. Cidade Negra. Rio de Janeiro: SONY MUSIC: 1996.

Maneira de amar - Carlos Drummond de Andrade

O jardineiro conversava com as flores, e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio. O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza. Em vão o jardineiro tentava captar-lhe as graças, pois o girassol chegava a voltar-se contra a luz para não ver o rosto que lhe sorria. Era uma situação bastante embaraçosa, que as outras flores não comentavam. Nunca, entretanto, o jardineiro deixou de regar o pé de girassol e de renovar-lhe a terra, na ocasião devida. O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mandou-o embora, depois de assinar a carteira de trabalho. Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a aus...

A disciplina do amor - Lygia Fagundes Telles

Foi na França, durante a Segunda Grande guerra: um jovem tinha um cachorro que todos os dias, pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e na maior alegria acompanhava-o com seu passinho saltitante de volta à casa. A vila inteira já conhcecia o cachorro e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava até a correr todo animado atrás dos mais íntimos. Para logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe. Mas eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que oudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e levava sua vida normal de cachorro, até chegar o dia seguinte. Então, disciplinadam...

Cem anos de perdão - Clarice Lispector

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Quem nunca roubou não vai me entender. E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas. Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. "Aquele branco é meu." "Não, eu já disse que os brancos são meus." Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando. Começou assim. Numa dessas brincadeiras de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores. Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo. Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era. E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa para mim. Eu queria, ...

O caso do Espelho - Ricardo Azevedo

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Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata. Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos: — Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui? — Isso é um espelho — explicou o dono da loja. —Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai. Os olhos do homem ficaram molhados. — O senhor... conheceu meu pai? — perguntou ele ao comerciante. O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira. — É não! — respondeu o outro. — Isso é o retrato do meu pai. É ele sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito? O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho. Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa...

O espaço do texto literário na sala de aula - Jackson Cruz

A prática do texto permite que a sala de aula seja envolvida em uma atmosfera de possibilidades e encantos. A leitura, a interpretação e, sobretudo, a produção textual proporcionam ao aluno perceber novos mundos, o contato com outras realidades e culturas diferentes da sua, a interação com o autor ou autores dos textos lidos. E quando o professor sugere que ele mesmo, o educando, produza textos é uma oportunidade de humanização de um ser que outrora parecia distante, inacessível até, mas que agora está ali interagindo, dialogando com a turma a partir do texto. Levar o texto para sala de aula é dar voz ao outro e proporcionar que idéias diferentes se confrontem, que os contrários se choquem e que o conhecimento se configure de várias formas. Além de conceder ao estudante a oportunidade da fala, da construção e exposição de idéias, da manifestação, da interação e crescimento coletivo. Pode ser o momento no qual a classe e o educador percebem-se como parte de, criadores de, defens...

Vaca pedindo ultrapassagem - Ziraldo Alves Pinto

Mineirinho estava sentado à beira de uma estrada, tendo ao lado sua vaca. Passou um ricaço muito do gozador, dirigindo seu carrão. Mineirinho, ao vê-lo passar, pediu carona. O dono do Porsche resolveu parar. - Dá uma caroninha, moço? E o rição: - Mas, e a vaca? - Eu amarro ela no pára-choque – respondeu o mineirinho. - Mas ela não vai aguentar, meu chapa! - Guenta, sim. Ta bom. Você manda! E lá se foram eles, com a vaca amarrada no pára-choque traseiro do carro. O rição sai a toda e, quando estava a oitenta por hora, olhou pelo espelho e lá estava a vaca correndo. Não acreditou. Pisou mais e o carro foi a cem. E lá estava a vaca. Ficou cabreiro e acelerou mais o carro, e tome cento e quarenta, e a vaca atrás, firme. Quando chegou a duzentos, ele olhou o espelho e viu que a vaca estava com a língua de fora. - Parece que sua vaquinha não vai agüentar muito tempo esta corrida, não, meu velho. Já está com a língua de fora. - Pra que lado está a língua? – perguntou o mineirin...